quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O Parnaibano Gerson Castelo Branco na Revista V

A busca de soluções sustentáveis encontra nas obras de Gerson Castelo Branco uma fonte inventiva e de muita personalidade. No jogo forma versus função, valem a simplicidade, o baixo impacto ambiental e, claro, beleza


Em tempos de aquecimento global, mudanças climáticas e escassez de recursos naturais, a arquitetura desponta como uma das principais frentes de transformação na direção de um estilo de vida mais sustentável. Na esteira de muita criatividade surgem preocupações impensáveis há poucos anos, o uso de materiais de baixo impacto, como madeiras certificadas, e a economia de energia e água, com a implementação de sistemas alternativos em casas e edifícios. O piauiense Gerson Castelo Branco sabe disso muito antes de todo esse discurso fazer sentido nas grandes cidades.
Pouco conhecido no Brasil, Castelo Branco é dono de uma premiada trajetória profissional marcada pela construção artesanal de casas a partir de materiais naturais que dão forma a linhas e traços integrados ao ambiente externo. A utilização de madeira, pedra, fibras, palhas e vidro poderia ser chamada de arquitetura orgânica, não tivesse o próprio artista batizado seu estilo de Paraqueira, hoje uma das faces mais inventivas do Nordeste brasileiro. “Há pouco estive com o príncipe de Mônaco. Queremos arrecadar recursos para o programa Floresta Tropical Durável e distribuir material educativo nas escolas da Amazônia.”

A criação e o desenvolvimento do estilo Paraqueira têm, segundo o próprio autor, dois momentos decisivos: uma viagem empreendida há 35 anos, quando Castelo Branco passou seis meses pela América Latina, visitando Bolívia, Peru, Equador e Colômbia. “Assim como Che Guevara, minha visão de mundo mudou nessa viagem”, lembra-se o arquiteto. “Vi muita natureza, outras culturas, tudo isso me transformou, pois eu vinha de uma família tradicional, e fora muito podado na adolescência.” Outro período crucial para o amadurecimento do artista foram os seis anos em que viveu na Praia do Coqueiro, litoral do Piauí. A morada, uma casa de pescador que ele reformou – e que se tornou seu primeiro projeto dentro do estilo que ele mesmo inventara. “Percebi que as soluções precisavam ser encontradas localmente, nas comunidades, trabalhando com matéria-prima disponível e formando inclusive nova mão-de-obra
entre os moradores”, explica. “Na reforma da casa de pescador reformulei meus vícios e conceitos de arquitetura.”

AUTODIDATA

Castelo Branco é daqueles talentos nacionais mais reconhecidos no exterior do que no próprio país. Apesar de assinar dezenas de projetos no Brasil, especialmente no Ceará e no Piauí, sua obra é publicada com maior frequência em revista americanas e européias do que em páginas brasileiras. “Sou autodidata, isso é algo meio cruel no Brasil”, alfineta. Mas em mais de três décadas de carreira o arquiteto e paisagista pode avançar sua “Paraqueira” em deslumbrantes casas, hotéis, parques e até em uma agência bancária em Teresina.
Entre os destaques estão a casa construída na barra do rio Serinhaém, em Pernambuco, totalmente aberta, com sacadas e mirantes voltados aos coqueirais e mangues da região; a casa do Fortim, no litoral cearense, está integrada à paisagem do entorno; e a da Lagoa do Uruaú, litoral cearense, coberta com uma de suas marcas registradas, o telhado em forma de asa-delta, entre outras que ilustram esta reportagem. Mas talvez a obra-síntese de Castelo Branco seja sua própria casa de três níveis na Serra da Ibiapaba, na divisa entre Piauí e Ceará, erguida com super-resistentes talos de palmeira, pedra e vidro. A obra é do início dos anos 80, época de projetos que o arquiteto sempre faz questão de destacar, por mostrarem o que ele chama de “Paraqueira in natura”, com materiais alternativos e implantações especiais.

ARTESANAL E DURÁVEL

O encontro de seu estilo orgânico de construção – com ênfase em espaços abertos que privilegiam a entrada de luz natural e a circulação do ar, como cozinhas integradas e lofts – com as necessidades de um mundo em crise ambiental não surpreende o arquiteto. “A escola que desenvolvi busca dar espaço para o vento, para a temperatura, para o ambiente local. Toda essa brincadeira ganhou espaço nos últimos anos.” Mas ele também diz que o caminho a ser trilhado ainda é longo. “O Brasil tem a maior reserva florestal do mundo, mas a política e a ação predatória do homem a estão transformando num grande deserto”, critica. “De certa forma ainda contribuo para essa ação. Tenho tentado passar essas mudanças para os meus clientes, o que sinceramente não tem sido fácil. Temos necessidade urgente de adquirir uma consciência ecológica correta, menos egoísta.

Castelo Branco diz que essa é uma tendência sem volta e que o mercado deve se adaptar, por uma questão de “sobrevivência planetária”. “Nunca me preocupei em vender o que está nas prateleiras, e hoje procuro atender meus clientes fazendo um trabalho artesanal, mais durável, utilizando eucalipto autoclavado, madeira de reflorestamento”, afirma ele, também entusiasmado com o crescimento da permacultura e do uso do bambu em projetos de arquitetura. “Precisamos olhar para dentro, buscar soluções antigas, que estão disponíveis há séculos”, afirma o artista em Fortaleza, onde mantém seu escritório e que, nos dias finais de abril, sofria com fortes tempestades. Castelo Branco, sempre atento à natureza, permanecia alerta aos raios que caíam do céu.
fonte:reVista

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